domingo, 16 de novembro de 2008

Sacalhar quer jogar até aos 60 anos


Tem 55 anos, joga no Brotense e ainda é titular na I Divisão distrital da AF Évora Nunca teve uma lesão séria mas revela que já sentiu «umas picadinhas» Jogou no Lusitano e Juventude, nos Açores e no Canadá e puxa por Carlos Queirós, que diz merecer «ter sorte e ir ao Mundial»

Na aldeia do Ciborro, situada naquele que era conhecido por Condado de Valenças, já próxima da fronteira com o Ribatejo e situada a pouco mais ou menos 15 quilómetros de Montemor-o-Novo, nasceu a 4 de Julho de 1953 Filipe Manuel, conhecido por Sacalhar. Seria um nome a juntar a tantos outros, não fora dar-se o caso deste alentejano, carpinteiro de profissão, agora a caminho dos 56 anos de idade, ainda ter a ousadia de calçar as botas de pitões, vestir o equipamento à Sporting da equipa da aldeia vizinha de Brotas e entrar em campo para defender as cores do Brotense, na disputa do Campeonato Distrital da I Divisão da Associação de Futebol de Évora.

Com 55 anos e ainda é titular
Manhã de sol. Os poucos homens que se vêem na aldeia estão sentados à porta do Café do Joel. Entre eles está Sacalhar, à nossa espera. «Às 3 horas tenho de ir ver o Valenças. O meu filho joga lá», avisa-nos, sem demoras.

Sacalhar é, certamente, caso único no futebol português. Tem feito um percurso invejável, correu o distrito de Évora como futebolista e ainda deu um salto aos Açores e ao Canadá e mesmo no «declínio», que humildemente reconhece já sentir, nem quer pensar em ser suplente. «Como cheguei até aqui? É fácil, basta ter sorte e não ter lesões, gostar do futebol e ter mercado. Este ano tinha dois clubes a querer-me, o da minha terra, o Valenças, e o Brotense. Fui para Brotas, que o Valenças reforçou-se muito, há imensa competição e nunca fui suplente...Não quero andar para aí só para dizer que sou jogador. Mas saí do Valenças a bem», reforça.

De Pedaleira para Montemor
O pai era seareiro e «aquilo não dava nada». Começou a estudar à noite, com o ex-padre Henrique Sabino. O futebol desafiava-o. Foi para os juvenis do U. Montemor, já lá vão quase 40 anos. Era extremo-esquerdo e médio. Agora já é trinco ou defesa-central. Mas como foi Sacalhar parar ao União? « Fiz a primária e fiquei a trabalhar no Café do Joel. O sr. Claro, que era prospector bancário, tinha sido jogador e vinha aqui almoçar. Um dia meti-me com ele. 'Gostava de ir treinar ao União.' Disse-me que havia dois treinos por semana. 'Eu desenrasco-me!', respondi-lhe. E passei a ir de pedaleira para Montemor. Ao segundo ano já andava a aprender o ofício de carpinteiro e fui trabalhar para lá. Deixei de ganhar 25 escudos com um tio meu e fui ganhar 75», recorda.

Santa Maria, batata, terrinha...
Ao condado de Valenças, vindos de Ansião, chegaram os seus antepassados. «A maior família do Ciborro é a minha», diz. E de onde vem a alcunha? «É uma brincadeira que vem dos meus pais. Mas tenho mais de 20 nomes, o Sacalhar é apenas o mais conhecido. Também me chamam Santa Maria. Sabe por quê? Porque tinha aí uns seis anos e com a ribeira cheia meti-me num gamelão dos porcos e andei 3 km rio abaixo. As gentes da aldeia vinham da apanha da azeitona e tiveram de me ajudar a sair da água. Nessa altura tinham assaltado o navio, o Santa Maria. E fiquei com o nome. E com uma quadra que logo ali fizeram: 'É Terrinha o marinheiro, que fez uma travessia, dentro dum gamelão, chamado Santa Maria.' Portanto está a ver, sou o Sacalhar, o Terrinha, o Santa Maria, o Batata ou o Batatinha... são quase tantos nomes quantos os clubes onde joguei.»

Ter sempre a porta aberta
Saiu dum clube e quase sempre voltou a ele mais tarde. Foi assim em Montemor, em Vendas Novas, no Cortiço ou no Valenças. «Mantive sempre boas relações e deixei sempre a porta aberta», reconhece. Vai fazer 56 anos e já traçou uma meta: «Quero jogar até aos 60 anos!» Não faz por menos. «Tenho amigos que me chamam louco, dizem que estou a estragar tudo o que fiz. Eles não aceitam o declínio do ser humano mas eu aceito-o assim, porque vou fazendo bem à minha saúde», confessa.

Filipe Manuel, aliás, Sacalhar, cultiva as amizades. Antes do almoço junta-se aos amigos para a missa. «O padre vinha cá rezar a missa antes do almoço e nós fazemos a nossa, a beber um branquinho», revela. Diz que agora só trabalha para os amigos, porque como as coisas estão «é pagar a 30 para receber a 90». No futebol o dinheiro acabou há muito tempo. «Ganhei dinheiro até 1987. Nestes clubes amadores ninguém ganha e ainda bem que é assim.»

De Jaime Graça a Dinis Vital
O melhor clube por onde passou foi «o Lusitano de Évora» e o melhor treinador que encontrou «o Jaime Graça». Deixou o Valenças para ir jogar para Brotas, aldeia vizinha do Ciborro. O convite veio dum amigo, Vedor, treinador do Brotense. E Sacalhar não é capaz de deixar mal um amigo. Mas como reagiram na terra, no Ciborro? «A malta aqui não se aborrece comigo. Pode haver um ou outro, há sempre... palermas.» Nos intervalos do futebol vai à caça, agora à dos pombos, porque nesta não faz «caminhadas». A grande caminhada de Sacalhar é mesmo a do futebol. Até aos 60 anos? Ele acredita que sim. E sorri.

por Carlos Rias no Jornal A Bola

Nenhum comentário: